PAÍS DE FAZ DE CONTA

Responsáveis do sector da banca em Angola afirmaram hoje que a falta de energia, cobertura de rede móvel e iliteracia financeira são os principais obstáculos à expansão dos serviços bancários no país. Ou, por outras palavras, Angola é um país de faz de conta.

Durante uma conferência sobre a expansão dos serviços financeiros, que decorreu em Luanda, o presidente executivo do Banco Angolano de Investimento (BAI), Luís Lélis, apontou também a “malha complexa de regulamentação” como um dos constrangimentos.

Luís Lélis sublinhou que existe uma diferença significativa de custos entre criar um balcão e ter apenas um agente bancário que proporcione estes serviços, realçando que se deve olhar cada vez mais para a banca não presencial, fazendo o salto tecnológico através da digitalização.

O banqueiro notou, no entanto, que existem desafios a nível de cobertura de rede em vários pontos de Angola, questionando “onde é que está o Angosat”, satélite angolano de comunicações, em órbita desde 2022 e que, em termos efectivos, parece ter desaparecido em… combate.

Entre as dificuldades apontou também o fornecimento de energia e as vias de comunicação, dando como exemplo a província do Uíje onde a distância entre dois municípios para fazer o carregamento de notas são 200 quilómetros.

“Temos de reflectir se continuamos no numerário ou avançamos para outros meios de pagamento”, sugeriu, mostrando-se também preocupado com a iliteracia financeira e o analfabetismo que levam ao aumento das burlas.

Será que estão a contar com os 20 milhões de pobres, com os cinco milhões de crianças que estão fora do sistema de ensino, bem como dos milhares que todos os dias vão buscar a sua cesta básica aos enormes mercados criados pelo MPLA e que, em português popular, se chamam… lixeiras?

Luís Lélis esclareceu ainda que, embora fosse vontade dos bancos, a actual malha regulamentar não permite usar a rede de balcões únicos de atendimento ao público para disponibilizar serviços financeiros e criticou o mau funcionamento dos ditos “números verdes”, que permitem chamadas grátis.

Segundo o responsável do BAI, o número verde que foi disponibilizado ao BAI após vários anos “não funciona”, obrigando os clientes a suportar os custos das chamadas.

Por sua vez, o presidente da Emis (entidade gestora da rede multicaixa) fez referência ao crescente número de transacções através desta rede, que cresceu 30% no ano passado para um total de dois mil milhões de transacções

“Há dias em que temos cargas de 250 transacções por segundo”, disse José Gualberto de Matos, notando que os ATM (caixas automáticos) registaram algum abrandamento nos últimos cinco anos, mas “não vão acabar tão cedo”.

O presidente da Unitel, Miguel Geraldes, abordou o crescimento do “mobile money” (moeda electrónica) em Angola, apesar dos problemas de liquidez, afirmando que as pessoas não vão deixar de usar dinheiro: “Temos de trabalhar nas duas direcções, resolver a liquidez e trazer os comerciantes para esta plataforma, a ideia é que as pessoas não façam os pagamentos por dinheiro”, indicou.

Já o director nacional das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, Matias Borges, sublinhou que noutros países o telemóvel é cada vez mais usado para fazer compras e que as enchentes para levantar dinheiro nas caixas automáticas vão desaparecer à medida que o uso do ‘mobile money’ for aumentando.

IGNORÂNCIA E ILITERACIA NÃO SÃO VARIANTES DA LÍNGUA

Quando o mais alto magistrado de Angola, general João Lourenço, diz “se haver necessidade” em vez de “se houver necessidade”, não se está a falar de uma variante angolana da língua portuguesa. Está a falar-se de ignorância e iliteracia.

Quando a então ministra da Educação, Ana Paula Tuavanje Elias, fala de “compromíssio” em vez de “compromisso”, não se está a falar de uma variante angolana da língua portuguesa. Está a falar-se de ignorância e iliteracia.

No dia 3 de Maio de 2022, o ministro das Relações Exteriores angolano, Téte António, destacou a “relação secular” de Angola com a língua portuguesa e considerou a comemoração do Dia da Língua como um ganho da diplomacia da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Mesmo que a língua portuguesa seja assassinada todos os dias, até mesmo pelos mais altos dignitários do país.

“Ao falar da língua portuguesa, permite-se falar do legado de, já no século XV, os nossos ancestrais terem tomado a decisão de assumirem a língua portuguesa como a língua da corte, à época as escolas eram florescentes e aí já circulavam professores”, afirmou Téte António.

Segundo o ministro angolano, que presidiu na altura, em Luanda, à cerimónia solene alusiva ao Dia Mundial da Língua Portuguesa, Angola tem uma relação secular com a língua portuguesa, porque em alguns reinos, como do Congo, já se falava na época o português.

“Porque na região teriam sido abertas as primeiras escolas não tradicionais e terá sido a primeira região africana a dedicar-se no ensino de uma língua de origem não africana”, descreveu. “Dedicar-se no ensino” ou “dedicar-se ao ensino”?

“Hoje celebramos uma das datas mais importantes da nossa comunidade e da língua portuguesa e da cultura da CPLP, instituída na 14ª Reunião Ordinária do Conselho de Ministros realizada em 20 de Julho de 2009 na cidade de Praia”, recordou.

A comemoração do Dia Mundial da Língua Portuguesa, frisou Téte António, constitui “um ganho da diplomacia” da comunidade lusófona, “pois foi no dia 25 de Novembro de 2019 que [esta] viu o seu legado ser elevado à dimensão mundial pela UNESCO”.

O Presidente da República, João Lourenço, exigiu em Junho de 2020 mais qualidade no ensino e considerou a formação do homem como uma aposta para “corrigir muitas deficiências” que o sector enfrenta. Tem razão. E, reconheça-se, não é por culpa do MPLA que só está no Poder há… 49 anos. Citando o vernáculo do próprio presidente, se “haver” necessidade, os angolanos aceitam um “compromíssio” (agora citando a ex-ministra da Educação, Ana Paula Elias) para assim continuar por mais 51 anos.

Ao falar na cerimónia de posse do secretário de Estado para o Ensino Secundário, Gildo Matias José, o Chefe de Estado defendeu um grande investimento nos ensinos primário e secundário, na perspectiva do país ter quadros bem formados.

Provavelmente Angola pode contar (como aconteceu com os médicos) com a ajuda de professores cubanos, velhos amigos do MPLA a quem, recorde-se, ajudaram a matar angolanos, tenha sido no 27 de Maio de 1977 ou durante a guerra civil.

O também Titular do Poder Executivo disse que o homem tem que ser formado e que o país tem que ter a coragem de vencer o populismo e as correntes que defendem que todo o cidadão angolano pode ser doutor. Certo. Também podem ser generais ou, provando ter o cérebro no intestino, ser militantes do MPLA e assim serem assessores do Presidente ou ministros.

“Todo o cidadão angolano tem esse direito, mas não basta ter esse direito, é preciso que trabalhe no sentido de se qualificar para poder atingir o nível superior”, sustentou, alertando que para o país se destacar no “ranking” das universidades africanas e mundiais, a aposta tem que começar nos níveis mais abaixo, sob pena de se comprometer o futuro. Daria também institucionalizar o primado da competência e não apenas, como nas últimas décadas, o da subserviência canina ao MPLA.

No dia 1 de Fevereiro de 2018, o Presidente João Lourenço disse, em Moçâmedes, província do Namibe, que os desafios da educação e do ensino aumentaram, sendo uma prioridade para o sector social, pelo que deve ser maior a aposta na formação de recursos humanos.

Para além de ser uma verdade de La Palice foi, fazendo fé no Orçamento Geral do Estado, uma séria candidata ao pódio do anedotário nacional.

João Lourenço, que discursava então no acto de abertura oficial do ano lectivo de 2018, referiu que um maior investimento nos recursos humanos é a única via se se pretende “realmente tirar o país do lugar em que se encontra em relação aos indicadores do desenvolvimento humano e económico”.

Que o MPLA (partido no poder desde 1975) não quer tirar o país do péssimo lugar em que, neste como noutros sectores, se encontra, já todos sabemos. E como o governo é filho do MPLA… o melhor é esperar sentado.

“O Governo vai continuar a incluir na sua agenda a protecção e valorização das crianças e da juventude, promovendo a oportunidade de acesso à escolaridade e à formação profissional ao longo da vida. Vamos encarar a educação como um direito constitucional e trabalhar para garantir o pleno funcionamento das instituições escolares, contando para tal com a contribuição de todas as forças vivas do nosso país”, disse João Lourenço.

Fica então certo, e não há razões para duvidar da palavra do Presidente, que o Governo “vai encarar a educação como um direito constitucional”. Vai. Isto porque, até gora, não conseguiu ir… E quando João Lourenço nos fala de “protecção e valorização das crianças”, refere-se às que escaparam ao índice que nos coloca no topo dos países com mais mortalidade infantil.

De uma coisa o MPLA/Estado/Governo está certo. A Síndrome do MPLA (versão angolana da Síndrome de Estocolmo) funciona e mais uma vez dará resultados. Ou seja, o estado psicológico dos angolanos, depois de tantos anos submetidos a um prolongado estado de escravidão, começa a mostrar simpatia, ou até mesmo amor, pelos carrascos.

Folha 8 com Lusa

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